Raquel Delvaje

domingo, 15 de julho de 2012

MISTÉRIO XX - O SINISTRO CASO DA NOIVA VELHA.


                                  

                                      No Rio Grande do Sul, no século XIX, morava numa pequena cidade uma senhora muito velha que gostava de namorar, mas queria somente moço. Ela se fazia valer pela grande fortuna que possuía. Conheceu Gustavo e ficou interessada por ele, que nem deu bola até saber da riqueza da mulher. O rapaz sonhava em se dar bem na vida. Não gostava de trabalhar e sempre apreciava os bons cortes de roupas, os melhores chapéus e sapatos. Conhecia os alfaiates da moda e sempre estava devendo e era perseguido pelos cobradores que viviam à sua porta. Quando tomou conhecimento que a  velha senhora tinha muito dinheiro, fez mil planos. Poderia desfrutar de uma vida confortável ao lado dela e resolveria seus problemas financeiros. Correspondeu às investidas de Madalena, a assanhada velhinha. Mas disse que gostaria de se casar. Essa por sua vez não era nada boba e sabia que o interesse daquele jovem rapaz era somente por sua fortuna, mas não se importou.
                                       Após o casamento, já na fazenda, o rapaz propôs a Madalena que dormisse no telhado aquela noite e que na seguinte ela viveria a maior aventura de amor que ela jamais sonhou. Tentada àquela proposta ela subiu ao telhado e ficou lá  por toda a madrugada. Estava muito frio e ela vestia somente uma camisolinha fina  e tremia muito. E dizia:
                                      - Treme, treme corpo velho, hoje é sua penitência amanhã é sua recompensa.
                                       E Gustavo no quentinho, se ajeitava embaixo dos cobertores. Conforme a noite ia gelando, mais ele ouvia a mulher dizer:
                                       - Treme, treme corpo velho, hoje é sua penitência amanhã é sua recompensa.
                                       E para se sentir mais fortalecida a velha continuava a repetir:
                                       - Treme, treme corpo velho, hoje é sua penitência amanhã é sua recompensa.
                                       O homem ouvia e sorria, pois sabia que com aquele frio a mulher não resistiria por muito tempo e logo iria partir dessa para melhor e o dinheiro seria herdado por ele. A velha tinha suas juntas endurecidas pelo frio e ela continuava a dizer com a voz trêmula:
                                       - Treme, treme corpo velho, hoje é sua penitência amanhã é sua recompensa.
                                        De repente se fez um silêncio e só se ouvia o barulho do vento que zunia e o quarto ficou mais gelado. Gustavo imaginou o frio que deveria estar lá fora e deduziu que nessa hora não haveria mais esposa viva.
                                        No dia seguinte, ao amanhecer, ele foi ao telhado e encontrou a velha morta e dura. Desceu-a  e comunicou o infortúnio  aos parentes e amigos que lamentaram muito sua morte que foi constatada ser natural.
                                        Gustavo agora era um homem rico e feliz. Todo o dinheiro da falecida  ele herdara, pois ela não tinha filhos. Ele ficou morando na fazenda e desfrutando de uma confortável vida, longe da miséria que sempre conhecera.  Passado alguns dias, numa madrugada, embriagado pelo sono e por uma garrafa de vinho que bebera, o homem começou a ouvir um gemido. Ficou atento para perceber melhor o barulho. Escutou os grilos e os sapos. Depois de um tempo ele ouviu novamente o gemido, dessa vez ele não se importou e virou na cama ajeitando-se para uma tranquila noite de sono, quando começou a ouvir o gemido novamente. Levantou a cabeça e prestou atenção. Ouviu uma voz ao longe que dizia:
                                        - Treme, treme corpo velho. Ontem foi sua penitência, hoje é sua alegria.
                                         Logo Gustavo achou que fosse uma brincadeira de algum escravo espertinho. Resolveu não se importar. E a voz continuou:
                                              - Treme, treme corpo velho. Ontem foi sua penitência, hoje é sua alegria.
                                         E a voz ficou mais próxima:
                                         - Treme, treme corpo velho. Ontem foi sua penitência, hoje é sua alegria.
                                         Irritado com aquela brincadeira, o moço abre a janela e não vê nada. A noite estava terrivelmente escura. Era lua minguante e ventava muito. De repente tudo ficou muito silencioso, não se ouviu nem grilos, nem sapos. Somente o zunido do vento. Gustavo fechou a janela e deitou-se cobrindo a cabeça. Ouviu novamente o gemido, só que dessa vez parecia estar no quarto. Ficou sem se mover, um frio lhe passou pelas costas e ele puxou o cobertor, um sussurro gelado ele sentiu em seu ouvido:
                                        - Treme, treme corpo velho. Ontem foi sua penitência, hoje é sua alegria.
                                         Ao virar a cabeça, deparou-se com a velha lhe sorrindo com os olhos vermelhos e a pele derretendo, estava suja de terra da cova e seus cabelos desgrenhados traziam uma mucosa nojenta e suas unhas pretas crescidas contrastavam com a   pele branca e gelada que lhe encostava solicitando o carinho tão prometido.





                                      

MISTÉRIO XIX- O SINISTRO CASO DA IRMÃ DE LÚCIA.





                                    No centro de Limeira, cidade do interior de São Paulo, morava uma mulher muito solitária. Ela não queria mais  contato com as pessoas desde que havia sofrido um derrame e arrastava uma das pernas. Sentia-se envergonhada e preferia estar sempre recolhida em seu apartamento. Contava com a ajuda de uma irmã que  a amparava nos seus afazeres e ia para ela aos supermercados, bancos e lojas. O único dia que Lazinha  saia de casa era quando ia  ao médico, mas voltava rapidamente. Lúcia vivia pedindo a ela para fazer um passeio, ir a uma loja, fazer compras, sair um pouco. Queria muito que a reclusa irmã deixasse de se envergonhar pela situação que se encontrava, que nem era tão ruim assim, com certeza havia pessoas muito piores do que ela, mas o orgulho não lhe permitia ser diferente.
                                     Lazinha já havia se acostumado com sua vida daquela forma e nem gostava que Lúcia insistisse com ela para sair de casa. Porém a dedicada irmã sempre se desdobrava para atender aos caprichos da outra. Os anos se passavam e a mulher ia ficando cada vez pior em suas exigências. Já não queria ficar sozinha e exigiu que a bondosa companheira lhe servisse dia e noite, passando a morar com ela e se fechando também naquela vida pacata e encarcerada. Saindo somente para as necessidades domésticas, mas depois voltando e ficando ali num tedioso ir e vir de dias compridos e noites infinitas. As conversas uma com a outra era o que distraia. Um programa de televisão, uma novela, um livro era o que ajudava os dias serem menos ruins. Mas a pobre da Lúcia não podia nem receber uma visita, pois a irmã a proibira.
                                     Passaram-se uns dez anos e um dia a Lazinha amanheceu morta. Lúcia chorou  o falecimento de sua irmã e companheira, mas não demorou uma semana para ela sentir o alívio daquela morte e se sentir livre para seguir sua vida, rever as velhas amizades, passear e se divertir. Um mês depois, estando sozinha em seu apartamento e muito feliz com a nova vida que estava levando, a irmã de Lazinha preparou uma pipoca e foi assistir a um filme quando ouviu a descarga do quarto. Estranhou, estava sozinha. Foi até o banheiro e não viu nada, pensou que poderia ser a televisão. Voltou a assistir ao filme e cochilou no sofá, acordou com um barulho de uma caixa caindo no quarto. Assustou-se, achou que era ladrão e ficou apreensiva, foi até o corredor e observou tudo com precaução, depois viu que não havia nada ali. A caixa estava caída no chão e ela pegou-a e ajeitou numa cadeira próxima e resolveu dormir. Na madrugada, acordou com passos no corredor, assombrada, levantou e trancou a porta do quarto e ficou lá quieta, até que adormeceu. No dia seguinte, observou que o apartamento estava em perfeito estado, concluiu que era sua imaginação. Após uns dias, voltaram a acontecer fatos estranhos no apartamento. Eram barulhos, passos, descargas, televisão que ligava e desligava. Abismada, Lúcia decidiu vender o apartamento e sair dali. Quando colocou o imóvel à venda, naquela noite, teve uma surpresa. Ao entrar em seu quarto viu sua irmã, mulher magra e de cabelos loiros, sentada na cama, com as mãos cobrindo o rosto e chorando muito. Lúcia, mesmo apavorada com o que via, decidiu perguntar para a irmã porque chorava tanto e ela respondeu que nunca se conformara por Lúcia ser mais bonita e sempre ter tido mais sorte e que a odiava por isso. A irmã bondosa disse que nunca havia percebido tanto ódio e inveja e Lazinha disse que não tinha paz, era um tormento ver que ela  se divertia e estava tão bem, ela jamais poderia ter morrido primeiro e que agora iria levá-la. Quando ergueu a cabeça tinha um olhar feio, cheio de olheiras, seus dentes estavam apodrecidos e sua  pele amarela e pegajosa. Lúcia assustou-se e correu para a porta e a falecida veio para cima dela com garras e dentes , a mulher abriu a porta e correu pelas escadas do prédio, tropeçou e caiu, ferindo-se.
                                       No dia seguinte acordou no hospital, havia sido salva pelo porteiro que a viu pela câmera quando saiu correndo. Ele não viu Lazinha,mas viu uma nuvem preta que saiu pela porta do apartamento em direção à Lúcia. Achou que fosse algum início de incêndio.




sábado, 7 de julho de 2012

MISTÉRIO XVIII - O MISTERIOSO CASO DAS COBRAS QUE APARECEM DO NADA.


                             




            
                                 Na capital do Acre, há alguns anos atrás, havia uma mulher muito ciumenta e invejosa. Não podia ver alguém com alguma coisa nova que ficava por conta de morrer. Se alguma moça arrumasse um namorado ela caia de cama de tanta inveja. Tinha um ódio tremendo de todas as pessoas que ela achasse que estava bem. Desejava o mal de todos. Mas não na frente das pessoas, isso ela fazia somente à surdina, quando estava junto com alguém sempre era amável e dissimulada. Mas como não se consegue esconder tudo de todos e o tempo todo, lógico que muitos sabiam da personalidade invejosa de Arminda.
                                  Ela não tinha marido, tinha ficado noiva e ele a abandonou quando começou a perceber a peste que era a mulher. Conheceu outra e após dois anos de noivado marcou o casamento. Arminda ficou a ponto de enfartar.  Nunca que ela ia permitir esse casório. Fez de tudo, inventou coisas para denegrir a imagem de Serena, criou situações para simular desonestidade da moça. Mas a verdade vinha à tona e a invejosa ia ficando cada vez mais mal vista. Se aproximando o dia do casamento, a noiva abandonada resolveu apelar para uma bruxa que morava próximo à sua casa.  Pediu a morte da futura esposa de Cleôncio. A bruxa pensou, pensou. Chupou seu cachimbo fedido. Deu umas baforadas na cara da mulher despeitada e resolveu a questão.  Através de um feitiço enviaria serpentes venenosas até a moça e a mataria com a picada. Mas advertiu que se algo desse errado, a serpente ia levar alguém. No desespero de alcançar seu plano ela concordou imediatamente. No dia do casamento, durante a arrumação do salão de festas, apareceu uma serpente venenosa e quase picou a noiva. Mas um moço que estava próximo a matou. Passado uns quinze minutos apareceu outra cobra, tão venenosa quanto a primeira e já estava para dar o bote quando foi surpreendida com uma pedrada certeira de um vizinho que estava auxiliando nas colocações das mesas. Todos ficaram apreensivos com a presença das cobras em um lugar tão urbano, pessoas que conheciam o salão disseram que nunca presenciaram nada semelhante, depois disso tudo correu normalmente. O casamento se conclui e Arminda ficou doente de tanto ódio e inveja. Passado uns três dias, já melhor de sua convalescência, levantou-se e foi até a geladeira pegar um suco. Ao passar pela sala se surpreendeu ao ver uma cobra dentro do forro do teto da casa, ela olhava por uma pequena fresta de madeira apodrecida. Após o susto,  chamou uns vizinhos que vieram e conseguiram matar a cobra. Toda feliz Arminda foi dormir, vendo que ludibriou o mal.  Aconchegou-se em seu cobertor quentinho, quando já em seu sono profundo  assustou-se com algo caindo sobre sua cabeça, só conseguiu ver a ninhada da cobra que despencou sobre ela, todas tinham olhos vermelhos e um delicioso veneno de vingança.









MISTÉRIO XVII - O MISTERIOSO CASO DO CONTO QUE NÃO PÔDE SER PUBLICADO





                               Esse caso se passou comigo, no interior de São Paulo. Há uns dois meses atrás eu tive um sonho extremamente enigmático. Estava sobre uma rocha tentando voar e surgiu uma águia enorme com cara de cachorro e sorriu para mim. Assustada, pulei e sai voando. A sinistra ave voou do meu lado e disse que ia me contar oitenta e quatro casos misteriosos que aconteceram de verdade. Alguns pareceriam simples brincadeiras e outros seriam muito sérios, todos os nomes e locais me seriam revelados, assim como a data do acontecido. Mas eu deveria ocultar nomes e em alguns casos as datas. Ele me disse que haveria uma grande revelação em um desses contos, não me disse qual. Disse também que um deles eu não poderia publicar e nem divulgar para ninguém. Ainda assustada continuei voando e quanto mais rápido eu voava mais a ave estava à minha frente. Senti um enorme alívio quando acordei daquele pesadelo, e depois disso comecei a sentar em frente ao meu computador e escrever sem noção do que estava digitando até ler e tomar conhecimento do caso escrito.  Após isso, sentia impelida a mudar os nomes e em alguns casos as datas, mas nunca os lugares.
                                    Os contos surgiam com uma sequência que não poderiam ser quebradas, eu simplesmente obedecia. Até que ocorreu o fato que vou contar. Estava tudo indo bem, havia me esquecido do sonho. Na semana passada no meu décimo sétimo conto, senti necessidade de escrevê-lo, pois é assim que me revela a inspiração, uma necessidade. Era quase meia noite e eu estava sozinha em casa. Meu marido estava viajando e minha filha foi dormir na casa da avó. Coisa que nunca acontece. Ao terminar o conto eu estava totalmente assombrada com aquele caso nunca visto ou ouvido por alguém nessa terra. Achei que era a coisa mais extraordinária que alguém poderia ter escrito. Quando eu fui salvar, simplesmente sumiu do computador. Fiquei triste, mas como estava fresquinho em minha mente, voltei e escrevi novamente. Foi quando tudo começou a acontecer. As lâmpadas começaram a piscar e a porta que estava trancada se destrancou e bateu com força na parede, nesse momento eu estava completamente apavorada, o cachorro começou a uivar incessantemente e os dois gatos ficaram arrepiados. As letras começaram a se apagar como se eu estivesse apertando a tecla de correção. Fiquei ali, olhando para  a tela impressionada com o que eu via. Depois de tudo apagado começou a escrever que eu deveria obedecer e não publicar o conto décimo sétimo. Quando senti uma claridade do meu lado e olhei, fiquei petrificada, havia um homem  me olhando. Seu rosto tinha uma brancura que eu nunca vi. Não conseguia olhar para ele  pois refletia uma luz forte e ofuscava meus olhos.Ele bateu no meu computador e  jogou-o no chão e disse que eu era muito teimosa. Assustada, me encolhi no sofá e tremia que nem vara verde, parecia que eu sentia frio, mas a noite era quente. Ele disse que eu não deveria publicar o texto jamais e somente comentar a alguém depois de publicados os oitenta e quatro textos. Fiquei ali insana, ouvindo aquela voz estranhamente tenebrosa. Lembro que meu cachorro continuava a uivar e os gatos arrepiados tentavam atacar aquele homem.  De repente senti minhas vistas escurecerem e cai no chão.
                                        Acordei no dia seguinte no tapete da sala, a porta aberta e um vento gelado invadindo o cômodo. O cachorro e os gatos aninhados em mim como se quisessem me proteger. O computador estava quebrado no chão.




MISTÉRIO XVI - O MISTERIOSO CASO DO PINTINHO PELADO.




                          

                             No interior do Amazonas vivia Estanislau, homem bonito e muito cobiçado pelas mulheres da região,  casado com Roseli, pessoa simples, humilde e de pouca beleza, mas de caráter. O marido era fiel, não gostava de traição, queria somente que sua mulher tivesse um pouco de  vaidade. Achava que ela ficaria mais bonita se resolvesse se arrumar, passar um batom e vestir uma roupa mais elegante. Mas nada fazia a esposa sair daquele estado letárgico em relação à sua beleza.  Com o passar dos anos, mais simples ela se vestia. O marido comprava roupas, objetos de adornos e nada dela usar. Cansado com a aparência desleixada da amada, ele tomou uma decisão, iria embora e encontraria uma mulher mais bonita. Decidido, arrumou as malas despediu-se da chorosa esposa e prometeu que não mais voltaria. Ela que ficasse com sua simplicidade.
                             Depois de uma semana viajando em seu cavalo,  o homem já cansado avistou uma fazenda, parecia abandonada e como já era noite ele resolveu que descansaria ali até ao amanhecer. Atrelou o cavalo em um tronco e entrou na casa. Estava tudo escuro e tinha várias janelas na sala principal. Era uma casa comprida com muitos cômodos e estava extremamente empoeirada, não tinha móveis. Ele entrou em alguns quartos, mas devido à escuridão resolveu ficar na sala mesmo. Fez uma pequena fogueira e ajeitou um cobertor e já bastante cansado sentiu seus olhos pesados. Foi quando começou ouvir uma conversação vinda do fundo da casa. Estranhou muito, parecia que havia um grupo de pessoas. Ficou atento, mas não conseguia decifrar a conversa. Olhando para o comprido corredor que ligava os demais cômodos viu caminhando em sua direção um pintinho todo pelado,vindo bem devagarzinho e piando “Piu, piu, piu, piu...”. Quando o pintinho apareceu na claridade do fogo a conversação parou e  ele ficou ali, esquentando suas asinhas no calor da fogueira. Depois  ele voltou para o fundo e quando  sumiu na escuridão começou novamente aquela conversação, era muita conversa. Estanislau ficou apreensivo. Decidiu que não iria mexer com aquele povo. Se o descobrissem ali, explicaria que só ia descansar e depois ir embora. Ficou lá, quando seus olhos começaram a fechar, ouviu de longe “Piu, piu, piu, piu...”  Levantou a cabeça e viu o pintinho surgindo na escuridão novamente e as vozes silenciaram, a avezinha veio próximo ao fogo e ficou esquentando suas asinhas peladas. O viajante ficou observando assustado aquela pequena ave feia e magra. Depois voltou  tranquilamente para o fundo da casa e as vozes reiniciaram.
                                  Essa situação se repetiu mais umas quatro ou cinco vezes, sempre vindo aquele pintinho e as vozes silenciando e quando ele voltava para a escuridão as vozes retornavam.
                                   O homem mesmo assustado resolveu dormir. Ajeitou-se. E veio a avezinha “Piu, piu, piu, piu...”. O silêncio se fez total na casa, só se ouvia o pintinho. Ele chegou próximo ao fogo e Estanislau ficou olhando para ele sem levantar a cabeça. O pintinho começou a se transformar em uma mulher belíssima. Quando isso aconteceu o homem arregalou os olhos e ficou observando o que estava acontecendo. Aquela mulher linda de cabelos longos e negros, corpo jovial, lábios carnudos e pele de marfim estava sorrindo para ele e o convidando para se esquentar no fogo com ela. Ele levantou-se rapidamente hipnotizado pela beleza da moça. Ficaram ali no calor da fogueira sorrindo um para o outro e ela pegou uma batata que ele havia colocado no fogo e virou-a. Pediu para ele segurar no espeto para virar o assado,  ele segurou e ficou a olhar para o fogo e quando voltou seus olhos para a moça, tomou um susto tremendo, agora de bela ela estava feia, velha, desdentada, extremamente enrugada e sorrindo seu sorriso banguela e o convidando para comer batatas com ela. O homem saiu tropeçando no cobertor, abriu a porta,  montou no cavalo e saiu a galope. A mulher ficou chamando-o para comer batatas com sua voz fanhosa e quando ele sumiu na curva da estrada ela voltou a se transformar no pintinho pelado e saiu “Piu, piu, piu, piu...”. E Estanislau? Voltou para Roseli!








terça-feira, 3 de julho de 2012

MISTÉRIO XV - O MISTERIOSO CASO DE GRAZIELA E DO TREM FANTASMA.


                      






                         Graziela chegou à pequena cidade do interior de São Paulo em cima de um caminhão, contendo nele toda sua mudança. Estava muito feliz, a esperança de uma nova vida a deixara irradiante. Havia visitado o bairro um mês antes e acertou o aluguel com o proprietário. Estava decidida a ter uma vida mais tranquila, passou vinte anos vivendo na grande São Paulo e trabalhando como limpadora de janelas numa universidade da capital. Saia todos os  dias às quatro horas da manhã de sua casa e retornava às oito horas da noite,  uma romaria diária em ônibus e trens. Havia cansado dessa vida e agora que aposentou, decidiu, iria viver no interior, lá arrumaria uma ocupação. Mesmo que não arrumasse tinha uma pequena reserva e agora contava com o dinheirinho do governo.
                        Durante a viagem a mulher tomou um susto muito grande, devido à chuva fina e o asfalto molhado o caminhão derrapou na pista e rodopiou, ela que estava embaixo da lona, mas com a cabeça descoberta, foi arremessada para longe da condução. Foi muita sorte quando percebeu estar viva e nada ter sofrido, caiu sobre a grama no meio fio e teve somente uns arranhões.
                         Veio ambulância e carros de polícia, mas ela estava bem. Concluíram a viagem ela e Seu Bernardo, o motorista. Chegaram e descarregaram a mudança, despediu-se do bom homem . Soube, quando viera conhecer a casa, que tinha  uma estação de trem  atrás de seu quintal, mas o proprietário avisou que fazia mais de trinta anos que estava desativada. Achou tudo muito bucólico. Aquela casinha simples com janelas de madeira e quintal de terra. Uma pequena cerca de bambu e um portãozinho, defronte havia uma rua também de terra com alguns ipês e pés de goiaba, manga e limão. Tinha três belíssimas roseiras ao lado da porta da sala. Graziela sentiu uma paz muito grande e deitou-se num colchão que colocara no chão, depois ia arrumar as coisas. No momento decidiu descansar da longa viagem.
                            Estava começando a escurecer quando deitou e pegou no sono profundamente. No meio da noite acordou com o barulho do trem e muitas conversas, abriu a janela do quarto que dava para o fundo da casa e assustou-se com o movimento da estação ferroviária, muita gente se despedindo ao entrar no trem e outras abanando o lencinho num adeus, algumas pessoas se abraçavam e outras carregavam  malas . Graziela não entendeu muito bem o que se passava e ficou amedrontada. Achou que era efeito do cansaço e do remédio que tomara por causa do acidente e voltou a dormir. No dia seguinte ao levantar olhou pela janela e tudo estava calmo e abandonado, assim como estava quando chegou. Imaginou que foi um sonho. Passou o dia arrumando a casa, ajeitando os móveis e acomodando os objetos nos devidos lugares, à noite foi dormir cansada e acordou de madrugada com o barulho do trem e muita gente conversando. Dessa vez mais lúcida ficou com muito medo. Reparou melhor e viu que as pessoas usavam trajes antigo, as mulheres vestidos longos e os homens: ternos, gravatas e chapéus.  Pensou em sair correndo, mas lembrou-se que não tinha vizinhos e seria muito pior. Cerrou as janelas e ficou quieta ouvindo as conversas, era muito assustador. Nas noites seguintes repetiram-se os rumores. Percebeu que o trem chegava uma hora da manhã e após sua chegada desciam muitas pessoas e chegavam outras. Mas a mulher não tinha coragem de abrir a janela, ficava quietinha até adormecer e acordar com o sol batendo em seu telhado e tudo normal à volta. Resolveu que não mais sairia à noite nem abriria a janela. Se aquilo tinha que acontecer que acontecesse.
                         Passado uns quinze dias, Graziela não se aguentando resolveu ir até a cidade verificar o que estava se passando. Foi até uma biblioteca e pesquisou um livro que estava sobre a mesa, justamente falava de trem e sobre um terrível acidente que matou muita gente. O trem chegava uma hora da manhã, mas naquele fatídico  dia  não chegou, saiu do trilho e se perdeu num precipício matando todos os passageiros, havia fotos de muitos mortos. Totalmente atordoada com aquela situação, ela voltou para sua casa decidida a olhar a cena. Quando chegou à noite nem dormiu, ficou parada na janela esperando chegar o trem. Quando  chegou ela foi até a estação e começou a falar para as pessoas que elas haviam morrido num acidente, citou a data e a hora do ocorrido, as pessoas começaram a chorar desesperadas. Perceberam que realmente haviam morrido. O maquinista avisou que todos deveriam entrar no trem e partir.   Foram entrando e a estação ficou somente com a Graziela. O maquinista a chamou para entrar. Ela acenou com a mão num adeus, dizendo que  não iria. O homem insistiu que ela deveria ir também. Foi quando chegou correndo o Seu Bernardo e entrou no vagão. “Vamos”, diziam todos, chamando-a. Ela sorriu e disse que iria assim que morresse. O caminhoneiro a chamou e perguntou se ela não se lembrava de nada. Ela perguntou o motivo dele  estar entrando no trem e ele explicou que os dois haviam morrido no acidente que houve na estrada, naquela tarde chuvosa em que vinham de São Paulo.  Dos olhos de Graziela desceram duas lágrimas... secas.








MISTÉRIO XIV - O MISTERIOSO CASO DO RAPAZ QUE NÃO CONSEGUIA PARAR DE COMER.


                                           


                                               Esse caso se passou no bairro Casa Verde, em São Paulo. Ângelo era um menino muito terrível. Gordinho e sem educação. Não respeitava ninguém, exigia as coisas e fazia birras. Sua mãe, uma mulher de meia idade, teve somente um filho e se desdobrava em amores e carinhos com o pequerrucho que cada  vez se tornava mais intolerante. Luzia entrou para trabalhar na casa quando o menino era ainda um bebê, ela o tratava com muito carinho e era bastante zelosa. Ângelo tinha coração de pedra, mesmo diante de tantos cuidados não era amoroso com ninguém, ainda pequeno começou a maltratar a empregada. Dizia que ela tinha que obedecer, pois era escrava, muitas vezes jogava coisas no chão e mandava que ela limpasse. Irene desconhecia esse tratamento do filho com a Luzia, pois qualquer atitude perto dela, achava que era brincadeira do pequeno. A empregada sorria sem graça e dizia que sim, que era somente um gracejo. Os anos foram passando e Ângelo se tornou um adolescente insuportável. Não tinha amigos, mas não se importava com isso. Seu prazer era ficar assistindo televisão e jogar no computador.
                                                 Quando Luzia pegou férias, entrou em seu lugar uma mulher que foi contratada por agência e seria só por um mês, enquanto a outra empregada não retornasse. Assim que chegou, Valéria não gostou daquele rapaz, achou-o horroroso e chato. Ele também não deu a mínima para ela, nem a cumprimentou. A antipatia foi mútua e foi piorando com os dias. O jovem era folgado e porco, fazia as sujeiras e imediatamente a chamava para limpar e quando ela demorava, ele a maltratava, por simples prazer de provocar. Valéria estava por conta com ele. Era o tormento do trabalho dela. Ele reclamava de tudo e ainda por cima fazia fofoca dela para a mãe. Um dia ele falou para Dona Irene que Valéria havia comido as três latas de caviar. A patroa furiosa foi tirar satisfação com a mulher, que disse que quem havia comido era seu filho  e o chamou de gordo e fominha. Irritada, a dona da casa que acreditava que seu filho não era capaz de mentir, despediu a empregada. Ela com muita raiva jogou uma praga no mentiroso. Disse a ele que não haveria no mundo nada que o saciaria de sua fome, que quanto mais comesse mais fome ia sentir. E disse ainda que o mal só seria quebrado quando ele a procurasse e pedisse perdão. E ela ainda alertou que ele não demorasse muito, pois poderia se arrepender amargamente. Ele deu de ombros e ela saiu batendo a porta.
                                            A partir daquele dia nada saciava Ângelo. O rapaz comia o tempo todo, e estava sempre sentindo fome. Depois de três anos ele estava pesando 300 quilos e não parava de comer. Lembrou-se da empregada que jogara praga, mas não acreditou, com certeza aquilo era uma bobagem. O rapaz recorreu a médicos e especialistas, mas nada adiantava, agora já estava com 360 quilos e continuava a engordar. Quando chegou aos 390, desesperado, decidiu que procuraria a empregada e pediria perdão. Não custava nada e se fosse verdade quebraria a maldição e ele pararia de engordar. Foi atrás dela e não demorou a encontrar o endereço pela agência. Foi até a casa e recebeu a notícia de seus pais que ela havia morrido fazia uma semana. Desconsolado, Ângelo sentou-se num banco de praça. Vinha chegando um carrinho de cachorro quente e ele pediu dez lanches e meia dúzia de refrigerantes.